Há nove dias a dona de casa F. B. F., 40 anos, finalmente conseguiu iniciar o uso de duas medicações psiquiátricas, tarja vermelha, para controlar um quadro grave de depressão e hipomania provocados por transtorno afetivo bipolar. Moradora do município de Dom Aquino (151 km de Cuiabá), ela pediu ajuda da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso para ter acesso gratuito à medicação. O órgão ajuizou uma ação com pedido liminar, há quatro meses, acatada pela Justiça e cumprida este mês, no último dia 4.
No dia 24 de fevereiro de 2025, o defensor público Marcelo De Nardi protocolou a ação de obrigação de fazer, com pedido de urgência, na Justiça, relatando que a dona de casa havia procurado auxílio do Município para ter acesso as medicações Torval 500mg e Aripiprazol 15mg, após diagnóstico da doença psiquiátrica. Mas ela foi informada que eles não eram fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Como a medicação é de alta complexidade, a ação foi movida contra o Estado e o Município, solicitando o fornecimento, no prazo de cinco dias úteis. E, em caso de impossibilidade de fornecimento pelo SUS, que a medicação fosse adquirida da iniciativa privada, por meio de bloqueio de valores. Do contrário, que os entes fossem multados em R$ 1 mil por dia.
"Fiquei muito feliz com a decisão porque eu precisava muito da medicação, não posso ficar sem, minha médica não libera, pois eu tenho diagnóstico de bipolaridade depressiva e a qualquer momento eu posso ter surtos, alucinações, não posso ficar sem. Já estou tomando, mas como fiquei um período sem, por causa da minha situação financeira, estou na fase de aguardar os efeitos. Eu agradeço muito à Defensoria, as pessoas que me atenderam, pois realmente não posso ficar sem a medicação". F. cuida de uma filha menor e de uma neta.
Na ação, o defensor anexou laudo da médica psiquiátrica Maíra Miyahira, que informa que a dona de casa já fez uso de outros medicamentos disponíveis no SUS, sem sucesso, o que justificou a necessidade da prescrição da fórmula específica.
No laudo, a psiquiatra afirma que o medicamento Valproato de Sódio 500mg, fornecido pelo SUS para casos similares, não consegue estabilizar o quadro clínico de F. por ser de liberação única do princípio ativo no organismo. Já o Torval, tem liberação da substância ativa da medicação - valproato de sódio e ácido valpróico - de forma gradual ao longo do tempo.
A médica também enfatizou que o tratamento com Valproato, embora útil em alguns contextos, não foi eficaz no controle dos episódios de hipomania e depressão grave de F., por fazer o exato oposto, agravando o quadro de saúde dela. A médica ainda disse que a falta do tratamento adequado coloca a vida de F. em risco, pela possibilidade de suicídio.
Diante dos fatos, o defensor pediu urgência no atendimento do pedido, ressaltando que a falta da medicação compromete o bem-estar de paciente e a coloca em situação de risco de morte. A decisão de acatar o pedido e obrigar o Estado e o Município a fornecerem a medicação foi feita parcialmente em abril de 2025, pela juíza do Centro Judiciário de Solução de Conflito e Cidadania da Saúde Pública (Cejusc), Amini Haddad, que determinou o fornecimento da medicação pelos entes no prazo de cinco dias.
Porém, como a decisão não foi cumprida, o bloqueio de valores para o tratamento para o período de seis meses foi solicitado e o juiz do Cejusc, Agamenon Moreno Júnior, determinou, no dia 22 de maio, o bloqueio de R$ 1.684,26 para a aquisição do produto da única empresa que apresentou orçamento. Na quarta-feira (4) F. recebeu a medicação que foi comprada pelo Estado e entregue à paciente pelo Município.
"Após a realização de várias diligências, apresentação de petições e constante diálogo com a dona de casa — que aguardava com grande expectativa a liberação do medicamento para iniciar seu tratamento —, obtivemos êxito: a medicação foi enfim retirada.
Esperamos que esse resultado célere e positivo não seja uma exceção, mas sim a regra. E que este caso demonstre que o acesso à saúde não deve depender exclusivamente de relatórios favoráveis do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário de Mato Grosso (NAT-Jus) que, infelizmente, ainda podem determinar o curso da vida das pessoas", avaliou a assessora jurídica do Núcleo de Dom Aquino, Isabella Fernandes.